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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

DA BELA ADORMECIDA



(Há névoa)
Um beijo seria uma borboleta afogada em mármore.
Uma voz seria raiz perfurando cegueiras. 
As paredes unificaram feitios e cores(Há névoa) 
e mesmo as janelas abertas estão fechadas com arminhos
e as soleiras revestidas de musgos, líquens, pelúcias brancas.

E fundiram-se as montanhas (Há névoa),
dissolveram-se no ar os mortos astros.
As areias povoaram-se de avestruzes, ursos brancos, beduínos,
imóveis, sentados, esperando.

(Há névoa) Entre água e céu invisíveis,
suspendem-se os navios, desfigurados em ouro difuso.
E as árvores encanecem, numa inesperada velhice.
Se uma flor cair, não poderá dizer “Boa-noite!” a nenhuma outra,
porque, de ramo a ramo, eram distâncias invencíveis.

É assim como entre nós, Figura sem rosto, caminhante do mundo..
(Há névoa).
Minhas palavras são folhas soltas no ar espesso,
indo e vindo à-toa, olhando apenas para si mesmas.

No peso do ar fatigante, remam as minhas mãos e despedaçam-se.
É sempre longe, mais longe. É sempre e cada vez mais longe.
Oh! se existisse um limite!
(Há névoa.)

Filtra-se por meus olhos a cinza da noite silenciosa.
Caminha pelo meu sangue com o passo pegajoso da sua vida acre.
Pousa em meu coração.Descansa. Adere à minha vida guardada...
(Há névoa.)

E no entanto, em minha memória, ainda existe uma espécie de música!

Cecília Meireles

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