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quinta-feira, 24 de maio de 2012

RUBEM ALVES


A vida precisa do vazio:
a lagarta dorme num vazio chamado casulo
até se transformar em borboleta.
A música precisa de um vazio chamado silêncio para ser ouvida.
Um poema precisa do vazio da folha de papel em branco para ser escrito.
E as pessoas, para serem belas e amadas,
precisam ter um vazio dentro delas.
A maioria acha o contrário;
pensa que o bom é ser cheio.
Essas são as pessoas que se acham cheias de verdades e sabedoria
e falam sem parar.
São umas chatas quando não são autoritárias.
Bonitas são as pessoas que falam pouco e sabem escutar.
A essas pessoas é fácil amar.
Elas estão cheias de vazio.
E é no vazio da distância que vive a saudade...

Rubem Alves

DESEJO



Quero asas de borboleta azul
para que eu encontre
o caminho do vento
o caminho da noite
a janela do tempo
o caminho de mim.

Roseana Murray


É PRECISO NÃO ESQUECER NADA



É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.

Cecília Meireles


MIMETISMO



O sábio no jardim sorria
do artifício da borboleta
convertida em folha amarela
até com manchas e defeitos.
O sábio sorria daquela
mentira. O colorido embuste!
Ó fingimento desenhado
por cegos presságios e sustos!
Para salvar seu breve tempo,
- tempo de inseto! – dom dos vivos;
tinha a borboleta bordado
seu sigiloso mimetismo.
(Atrás das máscaras, que morte
pode alcançar o culto pólo
sensível, no pulsante abismo
onde a hora do existir se acolhe?)
Sendo e não sendo, perto e longe,
escondia-se, ignota e inquieta,
guardando, em paredes de medo,
à esperança da seiva eterna.
O sábio nos jardim sorria
do cauteloso fingimento,
de tênue silêncio expectante
sobre os universais segredos.

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Cecília Meireles